Pesquisa em peças utilitárias, uma pequena mostra


elaborar peças utilitárias requer certas habilidades sutis de improviso e técnica. essa pesquisa elabora nesses meandros e em toda a cadeia produtiva da cerâmica biscoitada como fazê-lo de maneira simples, habilidosa e produtora de conhecimento.

para além dos objetos e seus resultados estéticos, esta pesquisa busca partir de pontos similares à criação contemporânea, às artes populares e artes dos povos nativos. com muito cuidado para não exercer papéis fetichistas e exotizantes. acontece que investimos muito de nosso tempo de admiração em uma grande esfera de trabalhos que é inviabilizada e descaracterizada por um mercado desigual, esmagador, industrial, classista, racista, entre outros.
esta admiração se deu espontaneamente, por questões sensíveis que virão à luz em outras mostras e textos, onde também pretendemos entrar em debate sobre questões humanas x sociais x artisticas.

em resumo nossa pesquisa utilitária cria pontes tecnológicas e estéticas com outros conhecimentos de nosso entorno, num demorado, pequeno e difícil processo de desfazer certas barreiras nas chamadas artes visuais, artes populares e artes cerâmicas, e envolver os profissionais e os públicos inscritos nessas áreas e em todas as outras.




estas peças são provenientes de todas as queimas realizadas desde o começo do nosso laboratório, com exceção da última queima cujos resultados estão abaixo.
em diferentes graus trazem pistas do aprendizado sobre o processo cerâmico.














as cores são óxidos naturais encontrados na terra. quando não, são materiais práticos (no caso do vermelho - pasmem - é pó xadrez). apenas o óxido de cobalto foi comprado em loja de suprimentos. todo nosso aparato é o mais simples e barato possível. contamos apenas com as mãos, mesas e instrumentos domésticos para processar e moldar as massas cerâmicas e pigmentos.




estas peças foram queimadas no dia 17/09/2016.

raramente o amarelo domina as cores do forno pois a temperatura para obtê-lo é em teoria mais alta do que nosso forno feito em casa pode alcançar. no entanto, todas as peças (mesmo as que não esperávamos que ficassem amarelas) atingiram esses tons nesta queima.

esperamos construir esse laboratório com uma medida científica de empirismo pequena, e mesmo somente a necessária. esses limites se darão em formas que desconhecemos - talvez as necessárias para que possamos construir um saber próprio, múltiplo e (por que não sonhar?) inclusivo. creio (vitor) que o amarelo foi um resultado auspicioso, de conhecimento sensível e observável, ainda que possamos datá-lo nas nossas anotações como avanço tecnológico.

uma cama de palha foi colocada entre estas peças para que marcassem-nas, e também para que a queima soltasse fumos, aromas, do qual sentimos que prescinde de alguma forma. à medida que nossas reverências se desenvolvem e recriam, também desenvolvem-se nosso poder de observação e limites tecnológicos, o que é extremamente curioso. outro fato curioso é que nada se rachou ou quebrou, o que costumava acontecer com grande parte das peças.
estas três peças já foram utilitárias porém serviram, na última queima, como suporte para experimentações em alta temperatura.

para além da cama de palha, nestes casos, as peças foram cobertas com cinza feita da mesma palha, além de óxido de cobalto no caso do azul. o que acontece, em resumo, é que a cinza faz com que a sílica derreta em alta temperatura e forme um (proto-)vidrado, o famoso esmalte cerâmico que existe em todas peças utilitárias.

nestas condições não conseguiremos vidrado no estado industrial, que impermeabiliza e dá brilho homogêneo às pecas sem causar impacto destrutivo, pois em nosso laboratório o fogo age diretamente sobre as peças para alcançar temperatura necessária para o vidrado.
no entanto é de grande satisfação observar nesse processo uma cadeia de elementos que vão do muito simples, rudimentar, natural, orgânico, amorfo, ao objeto duro, inorgânico, mineral, brilhante da cerâmica, antropomórfico por ter sido afetado pelas mãos humanas. colhem-se as vidas e mortes do ambiente para transformá-los em outras vidas e outras mortes simbólicas, sem apagar seus caminhos, para que tornem-se contemplação e conhecimento. atenção e elaboração sobre estas transformações ao nosso ver é fundamental para elaboração do trabalho.